sábado, 13 de setembro de 2008

Desabafo

Há muito tempo não assisto televisão, principalmente canais abertos. Gosto de alugar filmes ou ver sitcoms na TV por assinatura. Por acaso hoje a TV estava ligada na Rede Globo, o Fantástico no ar, e comecei a prestar atenção. O programa estava anunciando uma matéria a respeito do relacionamento entre mães e filhas. Sob a ótica das filhas. Mostraram comunidades criadas no Orkut: "Minha mãe é neurótica", "Minha mãe grita por qualquer coisa", etc etc e tal. E entrevistaram as adolescentes, que diziam que as mães eram estressadas, brigavam por nada... Uma delas disse que a mãe gritava com ela por que pedia que ela lavasse a louça e ela queria ficar mais um pouco no computador. Depois entrevistavam supostas "profissionais" de psicologia, entrevistas essas que me recusei a assistir por ser do ramo e não agüentar mais esses "star professionals", pessoas que fazem “análises” acerca de realidades que conhecem superficialmente. A próxima reportagem era acerca da menina Hamanda, que perdeu os pais e a irmã em um acidente trágico de caminhão. Primeiramente, que ato de extremo mau gosto e grande falta de sensibilidade entrevistar uma pessoa que acaba de perder toda a família em um acidente trágico. Pior ainda por se tratar de uma criança, que por sua condição, visivelmente ainda não se havia dado conta do que lhe ocorrera. Imagens do resgate foram mostradas. A menina deitada sob o corpo do pai morto! Os pezinhos dela sob os pés gelados do pai. Agora, alguém pode me explicar com que objetivo mostraram essa cena? Continuando a reportagem, a menina voava de volta para Pernambuco, com vôo logicamente pago pela Globo, e; segundo a reportagem "voltava à vida normal"... Como assim, gente? Voltou à vida normal? O que é isso? A menina tem oito anos, perdeu a família, e como pode ter voltado à vida normal? Ainda mostraram uma cena logicamente produzida que apresentava a avó, o avô e a menina "engessados" frente à TV, pois, novamente segundo a reportagem, é uma das coisas que mais gosta de fazer.... Meu Deus do Céu. Onde vamos parar? Quando eu já me encontrava em lágrimas pela brutalidade dos conteúdos ali apresentados (seria essa a palavra? Não, apresentar seria transmitir a informação. Mas estranhamente, não consigo encontrar uma palavra para descrever o que estava sendo feito ali), os apresentadores prometeram então passar um filme que reconstituía a atrocidade que ocorreu com a menina Isabela Nardoni. Uma "reconstituição" feita no computador. Ali na chamada, já mostrava o "pai" com a menina no colo, jogando-a na cama e se dirigindo à janela. Ainda aos prantos, agora pensando na pobrezinha da Isabela e em seus familiares que já sofreram demais, desliguei a televisão e me sentei ao computador para escrever. Não tenho palavras para expressar quão atônita me encontro. Escrever sempre me fez muito bem, entretanto, devido aos afazeres do cotidiano, não me sentia mais inspirada a fazê-lo. Precisei de um estímulo tão odioso para retomar essa atividade. Será que as pessoas não percebem como a vida está sendo banalizada? A dor, a perda, minimizadas? Relações e valores sendo minados, através deste tipo de "notícia". Não acredito que os pais estejam sempre certos, e que saibam de tudo, mas expor desta forma o cotidiano de uma família, e colocar pessoas que nem sequer conhecem os envolvidos pra fazer análises conjecturais acerca da situação? Minar a autoridade (diferente de autoritarismo) de mães, mostrar que a vida continua "normal" após a perda da família, reconstituir um crime repugnante, e exibi-lo em rede nacional. Qual é o objetivo dessas “notícias”? Qual é a função social desse tipo de programa? Desde quando isso é entretenimento? Se perguntam hoje em dia por que os filhos não respeitam mais os pais, por que as pessoas estão tão estressadas, por que os índices de pessoas em depressão vêm aumentando. Tenho certeza que o próprio Fantástico deve ter exibido reportagens inúteis sobre essas temáticas, sem nunca colocar em questão a responsabilidade de sua produção “jornalística” para esses fenômenos. E tudo em nome do ibope, do dinheiro, em vencer a concorrência. Por esse motivo, é imperativo que não nos deixemos levar pela curiosidade mórbida inerente ao ser humano. Que vençamos essa característica mesquinha de nos sentir melhor assistindo à tragédia alheia. Exijamos programações de qualidade, notícias verdadeiramente informativas, elucidativas, educativas, em detrimento desse mundo cão mostrado pelos “datenas” da vida. Passemos mais tempo com familiares, conversemos mais com eles, sejamos atenciosos para com eles. É necessário retornar ao hábito da leitura de bons livros, que estejamos em contato com a natureza, deixemos um pouco de lado a pressa do dia-a-dia. Respeitemos os mais novos, escutemos os mais velhos, mas sempre procurando discernir o que é melhor para nós mesmos. Vamos parar com os gritos e agressões. Passemos a elogiar mais aquelas características alheias que gostamos, e a entender as fraquezas como parte de um conjunto único, porém realmente Fantástico: a diversidade do ser humano. Deixo aqui manifesto o meu horror à produção televisiva de nosso país. Há exceções, é claro, mas infelizmente, em sua maioria, são programas assistidos por aqueles que não precisam repensar suas opções de entretenimento. A rede globo de televisão (assim, em letras minúsculas mesmo), o datena, o pânico, são considerados paixões nacionais, e cultuados enquanto tal. Repensemos nossas escolhas.
Publicado na Seção de Cartas do Jornal Debate em 10/08/08